
Lí duas vezes seguidas o livro de Maitê Proença, Uma Vida Inventada. Que IN-VE-JA!
Inveja boa, é claro. Daquelas que muito se assemelha com admiração, misturada com uma vontade imensa de fazer a mesma coisa! Inveja de querer estar em todos esses lugares... passar pelos perrengues e pelo glamour... viver como nomad... sem destino, sem preconceitos, sem hora certa para voltar e até sem roupa para vestir. Não que a vida dela tenha sido fácil... muito pelo contrário.
Mas quem está pensando que trata-se de um livro sobre viagens, está muito enganado! Trata-se de um livro sobre a sua história – incrível – diga-se de passagem, que por si só envolve muitas descobertas e viagens e onde destila ironia e senso de humor. Vale a pena ler para se tornar fã dessa mulher!
"Já foi bem mais complicado, mas ainda hoje um almoço na minha casa será, no mínimo, uma experiência exótica. Durante anos li tudo que me passou nas mãos sobre alimentação, tinha obsessão pelo assunto, e pela saúde que verteria de um cardápio equilibrado. Ainda tenho. Sou uma espécie de bicho-grilo que gosta de papo esotérico, pratica formas de ioga, visita países remotos e se alimenta de um jeito impossível. O resultado é que nunca sinto dores de cabeça, não sofro de insônia, não tenho cólicas menstruais e acordo com o humor excelente. Há exceções, claro. Esta mulher ultra-saudável habita minha face solar; existem porém outras criaturas servindo-se deste corpo. No período das drogas experimentei todas as que me passaram na frente — ácido não, porque inculquei lá no começo que me traria filhos defeituosos, mas cogumelos, muitos. Um dia tomei horror a tudo que me rouba a saúde (e de quebra a elegância), mas, como a evolução se dá a passos lentos, ainda gosto de beber. Gosto mais do que devia, e bebo mal. Não paro na hora certa e amo a sensação de estar com o pensador anestesiado e os sensores aflorados. Agressiva não fico, o que me bate é uma alegria esfuziante e totalmente fora de tom para mulher da minha idade. Além do mais, se bebo um pouco, fumo cigarros, que já larguei há muitos anos e que me destroçam o corpo no dia seguinte. São deslizes das faces sombrias. Ainda bem que as sombras tendem a ser dóceis e aceitam limites com facilidade. Agora por exemplo o departamento álcool/tabaco está interditado — fiz promessa de seis meses que cumprirei como cumpri outras, benzadeus. Quando penso em como as drogas, legalizadas ou não, deixam a gente boba e previsível, fico com raiva de ter um lado vulnerável a elas.
Corro o risco, nessas revelações, de aniquilar uma imagem construída com anos de alfafa e ioga. Mas este é um relato sobre contradições, e a verdade é que não fosse eu uma compulsiva por saúde, com a vida que me deram, e gostando como gosto, é bem provável que já tivesse me tornado alcoólatra. A virtude não está em não ter as deficiências, mas em querer domesticá-las.
Antes de saltarmos de pára-quedas, minha filha e eu, olhando embaixo a terra redonda ali da porta do avião, paralisadas, ouvimos de um instrutor: "Corajoso não é o que não tem medo, corajoso é quem tem medo e pula. O outro é um irresponsável."
E nós pulamos.
Neste mundo não há saída: há os que assistem, entediados, ao tempo passar da janela, e há os afoitos, que agarram a vida pelos colarinhos. Carimbada de hematomas, reconheço, sou do segundo time." (Trecho de Uma Vida Inventada, de Maitê Proença)
Inveja boa, é claro. Daquelas que muito se assemelha com admiração, misturada com uma vontade imensa de fazer a mesma coisa! Inveja de querer estar em todos esses lugares... passar pelos perrengues e pelo glamour... viver como nomad... sem destino, sem preconceitos, sem hora certa para voltar e até sem roupa para vestir. Não que a vida dela tenha sido fácil... muito pelo contrário.
Mas quem está pensando que trata-se de um livro sobre viagens, está muito enganado! Trata-se de um livro sobre a sua história – incrível – diga-se de passagem, que por si só envolve muitas descobertas e viagens e onde destila ironia e senso de humor. Vale a pena ler para se tornar fã dessa mulher!
"Já foi bem mais complicado, mas ainda hoje um almoço na minha casa será, no mínimo, uma experiência exótica. Durante anos li tudo que me passou nas mãos sobre alimentação, tinha obsessão pelo assunto, e pela saúde que verteria de um cardápio equilibrado. Ainda tenho. Sou uma espécie de bicho-grilo que gosta de papo esotérico, pratica formas de ioga, visita países remotos e se alimenta de um jeito impossível. O resultado é que nunca sinto dores de cabeça, não sofro de insônia, não tenho cólicas menstruais e acordo com o humor excelente. Há exceções, claro. Esta mulher ultra-saudável habita minha face solar; existem porém outras criaturas servindo-se deste corpo. No período das drogas experimentei todas as que me passaram na frente — ácido não, porque inculquei lá no começo que me traria filhos defeituosos, mas cogumelos, muitos. Um dia tomei horror a tudo que me rouba a saúde (e de quebra a elegância), mas, como a evolução se dá a passos lentos, ainda gosto de beber. Gosto mais do que devia, e bebo mal. Não paro na hora certa e amo a sensação de estar com o pensador anestesiado e os sensores aflorados. Agressiva não fico, o que me bate é uma alegria esfuziante e totalmente fora de tom para mulher da minha idade. Além do mais, se bebo um pouco, fumo cigarros, que já larguei há muitos anos e que me destroçam o corpo no dia seguinte. São deslizes das faces sombrias. Ainda bem que as sombras tendem a ser dóceis e aceitam limites com facilidade. Agora por exemplo o departamento álcool/tabaco está interditado — fiz promessa de seis meses que cumprirei como cumpri outras, benzadeus. Quando penso em como as drogas, legalizadas ou não, deixam a gente boba e previsível, fico com raiva de ter um lado vulnerável a elas.
Corro o risco, nessas revelações, de aniquilar uma imagem construída com anos de alfafa e ioga. Mas este é um relato sobre contradições, e a verdade é que não fosse eu uma compulsiva por saúde, com a vida que me deram, e gostando como gosto, é bem provável que já tivesse me tornado alcoólatra. A virtude não está em não ter as deficiências, mas em querer domesticá-las.
Antes de saltarmos de pára-quedas, minha filha e eu, olhando embaixo a terra redonda ali da porta do avião, paralisadas, ouvimos de um instrutor: "Corajoso não é o que não tem medo, corajoso é quem tem medo e pula. O outro é um irresponsável."
E nós pulamos.
Neste mundo não há saída: há os que assistem, entediados, ao tempo passar da janela, e há os afoitos, que agarram a vida pelos colarinhos. Carimbada de hematomas, reconheço, sou do segundo time." (Trecho de Uma Vida Inventada, de Maitê Proença)

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